quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Do blog do Reinaldo Azevedo



O que vai acima é trecho do debate da Band, na semana passada, entre Márcio Lacerda (PSB) — o candidato de Aécio Neves, Fernando Pimentel e Ciro Gomes à Prefeitura de Belo Horizonte — e o peemedebista Leonardo Quintão. Dado o título do vídeo, parece ter sido postado por algum simpatizante de Lacerda. Se for, trata-se de alguém que não está entendendo direito o que está em curso. Não sei como foi o debate de ontem.

Na semana passada, achando que estava tendo uma grande sacada, Lacerda pergunta se o adversário acreditava nas acusações de Jô Moraes, candidata do PC do B derrotada no primeiro turno e agora apoiando Quintão. Jô acusava Lacerda de envolvimento com o mensalão. A resposta do peemedebista é uma espécie de emblema do “mineirin isperto” e de sua ascensão nas pesquisas.

Quintão diz o seguinte, nessa ordem:
- “Tenho muito respeito pelo senhor” (moço educado);
- “O Sr. tem idade para ser meu pai” (faz o eleitor comparar a sua aparência de galã de quermesse com a figura do outro, vetusta e cinzenta, de cara sempre fechada);
- “Quem tem de acreditar ou não é o eleitor, não sou eu” (bem no fígado);
- “Eu, pessoalmente, respeito o senhor. Não sei da vida do senhor porque eu não o conhecia (aqui, chama a atenção para o fato óbvio de que quase ninguém, em Belo Horizonte conhecia Lacerda, candidato inventado por Aécio e Pimentel).

Mais: notem o acento, digamos, “acariocado” de Lacerda em contraste com o sotaque “mineirin” de Quintão. No interior, quando a gente vê um falso sonso, a gente diz: “Esse, de bobo só tem o andado”. Nós, os caipiras, alimentamos a lenda de que somos mais espertos do que os “almofadinha da cidade grande”, sabem cumé? É claro que se trata de uma lenda reativa, autodefensiva, mas convém não dar mole...

Permito-me um pequeno vôo, sem ambição teórica, mas com alguma história. Há todo um subgênero na chamada “música caipira” (nada a ver com esses breganejos) que trata desse confronto entre o dotô e o matuto — que sempre se dá bem no fim. Tião Carreiro e Pardinho, a dupla que se tornou referência da boa música de viola, explorou muito o tema. Leia, se quiser entender direito do que falo, a letra de Rei do Gado (dá até para ouvir a canção). Trata de um país que ainda tinha a maior parte da população no campo — e não do Brasil contemporâneo, com 80% na cidade — muito acima dos países europeus, por exemplo —, o que é um problema, não uma solução. Mas esse é assunto para outra hora. De volta.

Quintão, eu sei, é o falso matuto. Vem de uma família de políticos experimentados, estudou no exterior, é cobra criada. Eu ousaria dizer que aquele seu sotaque é coisa de mineiro imitando mineiro... Acontece que a eleição em Belo Horizonte se transformou num jogo de personalidades construídas — e ele só aproveitou a janela de oportunidades que lhe foi aberta por Aécio Neves e Fernando Pimentel. A dupla pode assistir ao insucesso de sua criação bastante original: o coronelismo urbano: “É pra votar neste aqui”. Sim, mas quem é esse? “Não importa, a gente tá mandando”. Há o risco de Aécio ver a tal “aliança inédita” ir para o brejo e de Pimentel entregar ao PMDB 16 anos de administração petista. Por que falo em jogo de aparências? Porque Lacerda foi apresentado como a solução técnica, “o” administrador que, vá lá, deveria apenas ser homologado por uma disputa eleitoral. Não funcionou. Muita gente diz: "Quintão é a pior solução para Belo Horizonte". É? Que chance Aécio e Pimentel deram à população de escolher a melhor?

O vídeo acima demonstra que Lacerda até pode ser o “ó do borogodó” em administração, mas é ruim de política pra chuchu. Imaginar que o adversário vai lhe passar um atestado de boa conduta expõe a sua principal ingenuidade: achar que o oponente é tonto. E, como se vê, de tonto não tem nem o sotaque, também ele peça de marketing.

Não conheço em detalhes a administração de Belo Horizonte e as reais potencialidades de Lacerda e Quintão. É até possível que a solução de continuidade seja a preferível para a cidade. Mas, se não acontecer, a culpa é de Aécio e Pimentel. Os dois, sozinhos, acharam que podiam substituir o povo. E o povo erra e acerta, mas não tem substituto. Ou tem: ditadura. Uma péssima substituição.

E notem. A eleição em Belo Horizonte tem sido tão surpreendente, que pode dar qualquer coisa por lá, inclusive a virada de Lacerda. Vejam que curioso: só há essa trajetória de solavancos porque há algo de profundamente antinatural na disputa — considerando que a naturalidade é a democracia, que compreende a construção de candidaturas ao longo do tempo — jamais paridos no bolso do colete.

Mesmo que o ungido pelos caciques vire o jogo, a lição está dada: ninguém deve votar em lugar do povo.

Hoje terá mais um debate entre os canditados à prefeitura de Belo Horizonte na tv Alterosa (22:30H). Estarei lá para fazer a cobertura para o blog. Volto amanhã com o que aconteceu nesse debate. Fábio Saldanha

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