quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O ator e o dublê

"É curioso, mas nossa cultura política atual tende a repudiar o acirramento dos embates eleitorais, como se quem o propusesse cometesse um pecado", escreveu [15/10] o diretor do Instituto Vox Populi, Marcos Coimbra, em artigo publicado pelo jornal Estado de Minas. "Espera-se dos candidatos uma espécie de falsa cordialidade, o tal debate em alto nível". Concordo com Coimbra. Apesar de ele ter aquele jeito songa-monga de falar, Coimbra foi feliz em evidenciar essa prática que é totalmente natural em disputas políticas. Se não, vejamos: numa das democracias mais sólidas do mundo, a americana [lógico], embates em eleições são feitos sem a desculpa esfarrapada de serem taxadas como de baixo nível. Sarah Pallin diz que Obama é amigo de terrorista. Se isso é verdade ou não, ou se é certo ou não, fica a cargo do eleitor. E se a pessoa se sentir ofendida [nesse caso Obama], que procure ela o caminho legal – a lei.

Estou enrolando, mas foi por uma boa causa. Ontem à noite aconteceu mais um debate entre os candidatos à prefeitura de Belo Horizonte na TV Alterosa. Este já deve ter sido o debate de número... Sei lá eu.

Já na porta via-se uma movimentação de torcidas organizadas [leia-se: pessoas pagas para torcer] de ambos os candidatos. Ah! Devo dizer que a minha presença no debate surgiu de um convite que a própria emissora fez aos alunos de jornalismo de todas as faculdades de BH. A entrada no local onde houve a transmissão do debate foi muito tumultuada. Estudante sofre! Enfim, depois de esperar mais de trinta minutos sob forte calor humano, consegui sentar em meu lugar na platéia. Antes de começar, um funcionário da casa pediu que o público não se manifestasse em momento algum, pois poderiam ser convidados a se retirar com a ajuda singela dos seguranças.

O debate começou com uma pergunta sobre esporte. Nada demais. Depois, outra pergunta sobre o metrô. Até então os dois candidatos ficaram em seus púlpitos respondendo às perguntas dos jornalistas convidados. Na segunda pergunta, feita pelo editor de política do Estado de Minas, Baptista Chagas de Almeida, uma surpresa: Leonardo Quintão tirou o microfone do suporte e saiu do seu lugar para ficar andando de um lado para o outro. Márcio Lacerda ficou parado – piscando sem parar. Ele não aproveitou o momento para mostrar que também estava à vontade como Quintão.

Não demorou muito para que o clima começasse a mudar no debate. Com uma pergunta sobre o envolvimento de Márcio Lacerda no caso do mensalão, Quintão abriu o segundo bloco. Lacerda enfim saiu de sua posição de poste. Pegou o microfone sem fio e movimentou-se com pouca desenvoltura, lembrando uma imitação de Sinatra. Ao invés de cantar, ele procurou defender-se das acusações do seu oponente. Quintão adotou um tom de voz ríspido todas as vezes em que respondeu a Lacerda. O peemedebista usava de sua retórica política para responder e devolver as perguntas a Márcio. Em uma destas, Quintão, interpelou-o com a seguinte indagação: "O senhor candidato, se considera de centro-esquerda ou de direita?" Lacerda disse que era de centro esquerda. Aí a coisa desandou. Ainda nesse tema, o socialista falou que direita era o DEM [de Gustavo Valadares, filho do ZIZA]. Quintão argumentou que a candidatura de Márcio tinha o apoio do democrata Gustavo Valadares, e por isso ele não poderia se dizer de centro-esquerda. Márcio se enrolou e piscou mais ainda. Disse que os Democratas estavam livres para apoiar quem eles quisessem assim que terminasse a votação do primeiro turno. Valadares, segundo Lacerda, o procurou para dar seu apoio. Até aí tudo bem, mas quando Lacerda foi tocar no assunto de sua aliança com o PT de Fernando Pimentel, não foi nada feliz. Partindo do pressuposto de que Pimentel é centro-esquerdista, Lacerda derrapou ao desqualificar uma parcela que ele classificou como facções radicais do PT mineiro. Quintão não pensou duas vezes ao fazer sua réplica; lembrou que no PT mineiro ele tinha conhecido muita gente boa, no tempo das eleições de 2006. Falou muito em nomes como Patrus Ananias, Luiz Dulci e Lula. Disse que boa parte do PT está com ele por não aceitar as imposições "autoritárias" de Pimentel. Essa doeu até em mim.

No início do terceiro bloco, Márcio não reparou que o assistente de palco colocou um banquinho ao seu lado. Foi até alertado pelo apresentador/mediador sobre a novidade. Um momento em que até eu não consegui me segurar e caí na gargalhada. Depois disso, Márcio respondeu rápido a uma pergunta sem muita relevância de Quintão, e aproveitou o tempo que lhe restava para falar e se defender mais sobre o mensalão. Disse que Quintão estava usando esse tema porque estava desesperado. Ratificou que nunca teve o nome sequer relatado nos autos do processo. E atacou logo em seguida. Disse que era melhor o outro candidato se preocupar com as fraudes em Ipatinga, onde seu pai, Sebastião Quintão, foi prefeito. Quintão ficou muito incomodado com a fala do adversário. Realmente, processo não é um assunto agradável para os dois.

Enquanto a troca de acusações comia solta, as regras para a platéia foram quebradas. Me senti em pleno Mineirão em dia de Atlético e Cruzeiro. Eram vaias para lá, vaias para cá, uma bagunça. O mediador até pediu que fossem cumpridas as regras, mas não adiantou muito. Em uma das cadeiras acima de onde eu estava, tinha uma trinca de meninas de uma faculdade suspeita [aqui vai o auge de minha polidez]. Não paravam de falar em momento algum! Colegas de curso [e de blog] que sentaram na mesma fileira que eu, não estavam mais agüentando tanta sandices pronunciadas pelo trio. Era um "Quintão você é lindo", "Ai! Minha mãe também gosta de você" entre outros absurdos. A cereja do bolo eram as ligações que uma das moças fazia para a mãe, em casa, durante os intervalos, para saber se ela havia aparecido em cada bloco do programa. Um outro companheiro de blog, que acompanhou o debate pela TV, disse que não ouviu muitos sons vindos da platéia. Só vira uma mulher que toda vez que era focalizada no enquadramento do apresentador aparecia um pouco sonolenta.

No último bloco antes das considerações finais, Quintão começou com tudo para cima de Lacerda. O tema era acessibilidade. Numa outra pergunta, Lacerda dissera que Quintão votou contra um projeto de lei que melhoraria a vida de pessoas com deficiência física, e que por isso não era uma pessoa solidária. Quintão devolveu a pergunta com um sorriso irônico, e falou que o candidato não sabia nada do que estava falando, pois nunca foi um parlamentar. E que o que aconteceu na verdade não passava nem perto “do real”. Fiquei sem entender!

Quintão abordou o tema das campanhas clandestinas. Agora é a vez de Márcio fazer uso da pergunta de Quintão; este havia perguntado àquele sobre a campanha clandestina de que vinha sendo vítima, e indagado se o adversário aprovava estas táticas. Lacerda disse que também sofre com campanhas clandestinas, mas ponderou que ele está processando o seu adversário na justiça por esse tipo de atitude. E mandou um recado junto em meio a resposta: alertou Quintão para que, caso ele se sinta prejudicado, que utilize também os meios legais. Aplausos. A trinca feminina às minhas costas não aprovou a fala de Lacerda.

Ao passo que outras perguntas foram surgindo e sendo respondidas, o último bloco terminava com saldo positivo. Não aceito a pecha de baixo nível dada pela maioria da imprensa para o debate. Não. Foi um momento onde se discutiu tudo o que o eleitorado deve saber, entre propostas de governo e a vida pregressa de cada candidato. Debate "de alto nível" é uma completa falácia; um eufemismo para conchavo entre comadres que não se gostam.

Considerações finais. Márcio Lacerda: "Não sou melhor ator que o outro candidato, mas sou melhor administrador”. Quintão devolve: "O Candidato disse que eu sou melhor ator, então ele é melhor dublê". Fui embora preocupado em como chegar em casa. Ônibus de madrugada é quase uma visão de outro mundo. Fui de táxi.

PS: Nesta sexta teremos o último debate, de número sei-lá-eu, antes do pleito no Domingo. Na Rede Globo. Sem platéia, e sem a trinca.

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