Vamos dar uma espairecida no clima político-econômico-discursivo-da-conjuntura-internacional-ou-sei-lá-o-quê do nosso amigo Pedro. Falemos então de entretenimento, talvez para as massas, talvez não. Falemos de Capitu.
A microssérie da Rede Globo é um dos melhores produtos que a emissora já fabricou para ocupar os buracos da programação de fim de ano. Os cinco episódios foram produzidos dentro do Projeto Quadrante, que colocou nas mãos de Luiz Fernando de Carvalho e equipe a responsabilidade pela adaptação de obras essenciais da literatura de cinco regiões brasileiras. A primeira (e cara) façanha do grupo, A Pedra do Reino, limitou os recursos de Capitu. Felizmente, o orçamento enxuto exacerbou as capacidades criativas da equipe, que fez coisas inacreditáveis tendo um galpão apodrecido como estúdio, e externas com figurino de época em pleno centro do Rio de Janeiro.
Afora as discussões sobre a relevância comercial da obra, que rendeu metade dos pontos no IBOPE de "Toma Lá, Dá Cá", e as eternas conjecturas a respeito da adaptação de literatura para o público de TV, acho importante fazer algumas considerações:
• a série não precisa da leitura do livro para ser compreendida, até porque é um produto transformado da obra original. Não é como se adaptassem a história dando uns cortes de tempo, é uma reinterpretação dos sentidos de cada elemento da história do Machado. Mas com certeza, como sempre acontece nesses casos, é mais saboroso para quem leu o livro (e gostou). É como assistir ao Elephant Medley, do Moulin Rouge, conhecendo as músicas que são emendadas.
• o tom "semi-noir" da série, apesar de ser um clichê em produções desse tipo, combina perfeitamente com o clima da narrativa. Lembremos que trata-se de um velho decrépito e amargo, que busca em suas memórias algum conforto, mas que acabou destruído por uma dúvida angustiante. Obscuridade e depressão definitivamente fazem parte dessa história.
• as memórias são a base desta narrativa; é preciso duvidar do que Bentinho diz, pois ele se recorda apenas do que lhe convém para comprovar ao leitor a opinião que firmou a respeito de Capitu. Naturalmente, é bem mais fácil duvidar do que está escrito do que daquilo que vemos. Provavelmente por isso, a série tem um tom teatral exagerado, que realça o caráter de "montagem" da imaginação; uma verdade reinterpretada.
• li em algum lugar que a trilha sonora e os takes externos foram planejados para resgatarem o texto como algo contemporâneo, por tratar de emoções humanas básicas e imutáveis. Por isso vemos Bentinho e seu vizinho no trem grafitado, ao som de rock; a história de Dom Casmurro se repete diariamente, na cidade grande ou nos subúrbios, e continuará acontecendo enquanto seres humanos se relacionarem.
Resta aguardar o desenrolar do programa, e descobrir até onde esse jogo de símbolos e linguagens consegue chegar sem ficar enfadonho. Até agora, a Globo sai ganhando, ainda que perdendo na audiência. Com certeza já tem alguém reservando espaço em uma estante platinada para alguns Emmys...
A microssérie da Rede Globo é um dos melhores produtos que a emissora já fabricou para ocupar os buracos da programação de fim de ano. Os cinco episódios foram produzidos dentro do Projeto Quadrante, que colocou nas mãos de Luiz Fernando de Carvalho e equipe a responsabilidade pela adaptação de obras essenciais da literatura de cinco regiões brasileiras. A primeira (e cara) façanha do grupo, A Pedra do Reino, limitou os recursos de Capitu. Felizmente, o orçamento enxuto exacerbou as capacidades criativas da equipe, que fez coisas inacreditáveis tendo um galpão apodrecido como estúdio, e externas com figurino de época em pleno centro do Rio de Janeiro.
Afora as discussões sobre a relevância comercial da obra, que rendeu metade dos pontos no IBOPE de "Toma Lá, Dá Cá", e as eternas conjecturas a respeito da adaptação de literatura para o público de TV, acho importante fazer algumas considerações:
• a série não precisa da leitura do livro para ser compreendida, até porque é um produto transformado da obra original. Não é como se adaptassem a história dando uns cortes de tempo, é uma reinterpretação dos sentidos de cada elemento da história do Machado. Mas com certeza, como sempre acontece nesses casos, é mais saboroso para quem leu o livro (e gostou). É como assistir ao Elephant Medley, do Moulin Rouge, conhecendo as músicas que são emendadas.
• o tom "semi-noir" da série, apesar de ser um clichê em produções desse tipo, combina perfeitamente com o clima da narrativa. Lembremos que trata-se de um velho decrépito e amargo, que busca em suas memórias algum conforto, mas que acabou destruído por uma dúvida angustiante. Obscuridade e depressão definitivamente fazem parte dessa história.
• as memórias são a base desta narrativa; é preciso duvidar do que Bentinho diz, pois ele se recorda apenas do que lhe convém para comprovar ao leitor a opinião que firmou a respeito de Capitu. Naturalmente, é bem mais fácil duvidar do que está escrito do que daquilo que vemos. Provavelmente por isso, a série tem um tom teatral exagerado, que realça o caráter de "montagem" da imaginação; uma verdade reinterpretada.
• li em algum lugar que a trilha sonora e os takes externos foram planejados para resgatarem o texto como algo contemporâneo, por tratar de emoções humanas básicas e imutáveis. Por isso vemos Bentinho e seu vizinho no trem grafitado, ao som de rock; a história de Dom Casmurro se repete diariamente, na cidade grande ou nos subúrbios, e continuará acontecendo enquanto seres humanos se relacionarem.
Resta aguardar o desenrolar do programa, e descobrir até onde esse jogo de símbolos e linguagens consegue chegar sem ficar enfadonho. Até agora, a Globo sai ganhando, ainda que perdendo na audiência. Com certeza já tem alguém reservando espaço em uma estante platinada para alguns Emmys...
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